Rendeiras do
Cariri – a atividade da Renda Renascença gera trabalho, receita, visibilidade e
empoderamento às artesãs
A Paraíba possui um polo de Renda
Renascença que se concentra especialmente na região do Cariri. É uma arte e um
trabalho passados por gerações, que vem cada vez mais ganhando destaque no
Brasil e pela moda mundo afora, além de gerar visibilidade, reconhecimento e
renda para as artesãs. Recentemente, o governador Ricardo Coutinho esteve na
comunidade de Cacimbinhas, distrito de São João do Tigre, Cariri paraibano,
para inaugurar o Centro de Comercialização e Produção das Rendeiras Porcina
Francisca da Costa, financiado por meio do Projeto de Desenvolvimento
Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú (Procase), ligado à Secretaria de
Estado da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido. A Casa das
Rendeiras, como é chamada, tem cerca de 50 rendeiras cadastradas e recebeu
investimento de R$ 300 mil.
Renda gerando
renda
– “Este dinheiro é para o povo trabalhador, para geração de renda. Temos um
importante trabalho na Agricultura Familiar e iremos formar novos convênios a
fim de beneficiar ainda mais esta área, que é uma política importante de
inclusão produtiva”, afirmou Ricardo na ocasião da inauguração, no início de
maio. Aparecida Henriques, gerente de Desenvolvimento Humano do Procase,
afirmou que após a inauguração da sede própria, segue o acompanhamento junto às
rendeiras, bem como o processo de formação.
Neste mês de junho deverá acontecer uma
oficina sobre gestão, que inclui discussões sobre associativismo e prestação de
contas. O apoio do Procase acontece ademais na participação das profissionais
na edição do Salão de Artesanato em Campina Grande, também em junho. Segundo a
gerente, futuramente deverá acontecer uma oficina de design. Todas as formações
são oferecidas para as rendeiras do Cariri, que incluem a Associação de
Resistência das Rendeiras da Comunidade de Cacimbinha (Arca) e também a
Cooperativa de Produção de Bens e Serviços de São João do Tigre (Coopetigre).
Lucivânia Queiroz, sócia da Arca,
afirmou que a nova sede veio para ajudar a produção e o próprio encontro das
mulheres, que antes não possuíam local para se reunir. “O espaço veio para
fortalecer a organização da produção e comercialização dos produtos de Renda
Renascença e esperamos que venha contribuir bastante para a comunidade”,
destacou.
Anatália
Aparecida da Silva é a atual presidente da Arca, uma associação que já tem
vários anos de trabalho, atuando desde 1998. “A Associação vem de longos anos
de luta. São várias mulheres que trabalham aqui. Comercializamos em salões e
feiras de artesanato. Mas agora com este ponto de encontro e comercialização,
podemos expandir, trazer pessoas de fora para visitar a Paraíba e para conhecer
nossa renda” relatou.
História - A Renda
Renascença é uma atividade artesanal e uma técnica têxtil surgida no século
XVI, tendo origem em Veneza, na Itália. Chegou ao Brasil pela mão das mulheres
dos colonizadores europeus e passou a fazer parte das tradições rurais do
semiárido do Nordeste brasileiro. Há influência muito forte também das freiras
estrangeiras que, nos conventos, ensinavam este tipo de trabalho às alunas.
A Renascença chegou à Paraíba na década
de 1950 pelas mãos de algumas mulheres que residiam nos municípios de Camalaú,
São João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro e Zabelê, que na época eram todos
distritos da cidade de Monteiro. No Estado, os municípios que concentram a produção
da Renda são Monteiro, Camalaú, São João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro,
Prata, Congo, Sumé e Zabelê. Nesse território, há o registro de pouco mais de
quatro mil artesãs, aproximadamente 20% da população feminina na região.
Atualmente, boa parte dessas rendeiras está organizada em associações e
cooperativas.
O município de São João do Tigre está a
243 km da capital João Pessoa, possui uma população de cerca de 4.500
habitantes, de acordo com o último censo do IBGE e tem uma área territorial de
816 km². Na cidade, a quantidade de rendeiras que ainda produzem a Renascença
chama a atenção. É comum ver pelas calçadas, mulheres sentadas com suas
almofadas e tecendo suas rendas.
A Renascença chegou a São João do Tigre
por volta de 1960 e, por muitos anos, a Renda foi a atividade econômica de
destaque no município. Atualmente, a Renascença resiste como um complemento da
renda familiar ou como atividade prazerosa. Muitas mulheres dividem a atividade
de rendeira com as tarefas de dona de casa ou da agricultura.
A história da Renascença no Cariri
paraibano passa pelo histórico das associações de rendeiras nessa região. Desde
antes do surgimento das associações, era constante o envolvimento de
atravessadores na comercialização da Renda, que compravam o material das
rendeiras por um baixo preço e revendiam por preços elevados. A presidente da
Arca, Anatália da Silva, contou que há casos de pessoas que compram a renda da
Paraíba e vendem em outros estados e até outros países afirmando que é de
Sergipe - provavelmente para evitar crime de autoria.
A presença de atravessadores comprando
os produtos das rendeiras a preços baixos e revendendo a altos preços foi algo
reiterado nas falas do governador Ricardo Coutinho em sua viagem a várias
cidades do Cariri em maio deste ano. Afirmando que o incentivo do Governo do
Estado e a presença de cooperativas podem ajudar a evitar este tipo de
transtorno, Anatália da Silva afirmou que a nova sede do Centro de Rendeiras
deve ajudá-las a ter contato e receber pessoas de fora que queira comercializar
suas peças tendo maior participação das produtoras nesse processo.
Em 2010, as rendeiras da Arca começaram
a participar de espaços de comercialização. Todas as artesãs fazem parte do
Programa de Artesanato Paraibano (PAP) e por várias vezes participaram de
edições do Salão de Artesanato da Paraíba. Em 2011, a Arca teve acesso ao
programa Empreender Paraíba, uma política pública de microcrédito para atender
empreendedores locais residentes no Estado. No ano seguinte, em 2012, a Associação
participou do programa Empreender Mulher.
Um ponto em comum apontado pelas
rendeiras e instituições é sobre a necessidade de garantir a difusão e
perpetuação da Renda Renascença, uma vez que é um trabalho transmitido
basicamente por gerações e publicações sobre o tema são raras. O conhecimento é
transmitido oralmente e pela prática. O patrimônio e a herança da Renascença
estão muito nas memórias das mulheres, dos pontos aos desenhos.
Incentivo – O
investimento do Governo do Estado por meio do Procase junto às rendeiras
começou em 2014 com dois convênios no valor de R$ 290 mil, que à época
beneficiaram diretamente 73 rendeiras da Coopetigre e da Arca. O Procase,
desenvolvido pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento da Agricultura (Fida),
investe mais de R$ 100 milhões em arranjos produtivos em 56 municípios do
Cariri e Seridó. Foi também com este convênio que as mulheres da Arca puderam
prosseguir com a construção da sede. Elas receberam incentivo para a construção
do Centro e compra de máquinas de costura e aviamentos para desenvolvimento da
produção.
Na última década, o ofício da Renascença
paraibana tem se fortalecido enquanto arte e atividade econômica graças a um
conjunto de iniciativas, apoios e parcerias de instituições governamentais e organizações
da sociedade civil. Um dos principais apoios governamentais vem do Governo do
Estado, por meio do Procase. Essa rede de apoios constitui incentivo à
organização das rendeiras no intuito de fortalecer ainda mais a Renda como
atividade econômica e identidade local de um povo.
Sobre a inauguração do Centro das
Rendeiras e a continuidade do trabalho destas artesãs, Lu Maia, gestora do PAP,
afirmou que é uma excelente oportunidade. “Acreditamos ser um grande passo na
vida profissional de nossas artesãs do Cariri. Este benefício vem proporcionar
cada vez mais o trabalho em conjunto de um artesanato paraibano tão nobre e tão
admirado no mundo inteiro. A nossa Renda Renascença já esteve nas passarelas de
eventos como a São Paulo Fashion Week e é um desejo de consumo de muitas mulheres
e homens. Nossas artesãs são mulheres guerreiras e merecem esta atenção deste
governo trabalhador”, disse.
Empoderamento – Mesmo diante
das adversidades, as rendeiras foram capazes de se organizarem em associações e
cooperativas. Com união e participação, torna-se mais fácil superar os
obstáculos. A experiência mostra que quando as pessoas se organizam, as ações e
políticas públicas chegam mais facilmente. Além de trazer o aperfeiçoamento e
profissionalização, as organizações e convênios promoveram a autonomia e o
empoderamento da mulher enquanto artesã e sujeito político.
A presença e o acompanhamento das
organizações da sociedade civil são coisas que as rendeiras consideram como
facilitadoras de suas atividades. O trabalho em grupo e a relação de confiança
são elementos que tem contribuído também para o crescimento, empoderamento e
organização dos grupos, bem como o fortalecimento e economia da mulher. A
capacidade de resiliência e boa vontade do grupo foram boas características
para seguir com o trabalho da Renascença em São João do Tigre.
Lucivânia Queiroz, hoje com 28 anos,
aprendeu a fazer Renda com apenas sete anos e vê nesta arte uma oportunidade de
trabalho, senso de comunidade e autonomia para as mulheres. “A Renascença é uma
arte muito rica. Está ligada à identidade e história da gente. Muitas famílias
construíram sua vida e criaram seus filhos com a Renda. A mulher faz a
Renascença porque gosta, mas também traz autonomia a ela. A Associação dá um
poder de voz às mulheres. Em grupo, a gente aprende muito umas com as outras.
Viver no coletivo proporciona a construção de um mundo melhor, de uma
comunidade melhor. A solução dos problemas é coletiva. Há um sentimento de
orgulho pelas mulheres. Produzimos peças de arte. Eu amo tecer”, relatou a
rendeira.
Interessados em saber mais sobre a
comercialização das peças produzidas pelas rendeiras podem acessar o site
http://www.cunhanfeminista.org.br/vitrine ou visitar o próximo Salão de
Artesanato da Paraíba, que acontece em junho, em Campina Grande.
Secom PB